sexta-feira, fevereiro 20, 2015

Os ladrões descem às bases onde roubaram votos

Por Adelino Timóteo

No meu país, os ladrões nunca explicam os seus actos. No meu país, uma vez apanhados, os ladrões arranjam alguém que explica os seus actos e omissões, que passa por ocultar como procederam ao roubo. No meu país, aos ladrões está garantido o anonimato. O silêncio é um instrumento de culto, um manual que lhes explica como devem ficar calados até que a memória colectiva se esqueça da defraudação de que foi vítimas. No meu país, os ladrões instituíram a cultura, não de negarem o roubo, mas de se mostrarem serenos e tranquilos, depois de praticarem as suas ilicitudes, como se nada de anormal se esteja a passar, e, vai daí, que se entretêm à espera das notícias da Televisão e Rádio, que explicam que eles nada têm a ver com aquilo de que vêm sendo acusados.

No meu país, enquanto o ladrão se fecha em copas, lá surge uma pessoa supostamente idónea, formada, competente o suficiente para arrumar o assunto, aligeirando o roubo, numa linguagem que afaste exponencialmente a culpa, e logo torne uma ilicitude subjectivamente em algo desculpável.

Não é que o comum e o pacato cidadão não saiba da ilusão, da alucinação em que os explicadores do roubo os levam a embarcar. Por exemplo, o tipo comum do crime público praticado por ladrões reincide sobre o roubo de votos e de urnas. Desde 1994 até esta parte, quem é cidadão atento neste país sabe que eles se habituaram, viciaram-se, se não for no roubo, é no enchimento de urnas.

No nosso país, enquanto a vítima pede explicações do roubo, o ladrão fica na sua surdez clássica, atrás do presidente da Comissão Nacional das Eleições, atrás da toga do Presidente do Conselho Constitucional, que são remetidos a disfarçar o acontecimento, a aligeirar as acusações, a transformar o ladrão em pobre coitado e a vítima do roubo em bombo da festa. O que é replicado por uma comunicação social viciada neste tipo de procedimentos com vista a tornar os ladrões impunes e as vítimas autênticas bestas.

No meu país, passámos à fase de inversão de papéis, pois, depois de os órgãos competentes justificarem o roubo e garantirem a limpeza e a justeza eleitoral, lá estão os ladrões a largarem-se para o campo, para mostrarem a sua face sacrossanta, o seu nacionalismo imaculado, a sua hipocrisia doentia, embrulhados nos seus fatos de topo de gama. Lá vão eles a passear em seus carros sumptuosos, com roupa cheirosa e rigorosamente engomada pelos mainatos, que os aprontaram recorrendo às suas mãos escravas e, ainda assim, mais limpas do que as desses ladrões protegidos pela imunidade; lá vão, e atabalhoadamente, com todo o tipo de merenda na bagageira, água mineral importada ou devidamente trazida da capital. Lá vão disfarçar a sua inocência.

No meu país, os ladrões de votos, que têm a manchete garantida nas primeiras páginas dos jornais oficiais, conhecem, e bem, o chão, as leis e os cidadãos que eles pisoteiam com os seus discursos inflamados de ódio, pisoteiam-nos com os seus calçados de ditadura envernizados com toda a perfeição, e, quanto às mulheres que participam na mesma empreitada farsante, calçam chinelas e sapatos com tacão alto que disfarçam e escondem os discursos que lhes foram impostos desde a Nação, onde o Chefe máximo controla a actuação de cada um deles. Já vão às bases com um discurso apurado e estudado no laboratório da Nação, onde se liquefaz o roubo, transformado num bem colectivo, em favor do povo, insuflando na vítima, sempre alérgica, a “reconciliação nacional”. Os ataques não poupam alguma franja do mesmo povo hipoteticamente servil, ataques numa verborreia cínica que os transforma em melhores filhos da terra e obreiros da Pátria, qual deuses, geniais filhos da Virgem Maria.

No meu país, os coitados são sempre as vítimas, e o povo sofredor, que é instigado a cantar e a bater palmas sob o olhar cínico e ríspido das estruturas locais, sempre preparadas para denunciarem aquele que não colabora, sob a capa de infiltrado ou agente dos seus mandatários defraudados, logo vítimas e tão iguais no sofrimento. No meu país, são estas mesmas vítimas, silenciadas no seio do povo, que são o escudo e o albergue da ditadura, as mesmas que eram instrumentalizadas para responderem em uníssono, no que era posição das chefias na Nação, a sua lealdade religiosa ao “partido que une e dinamiza o povo”, repelindo hipoteticamente quaisquer intenções de “conversações com os Bandidos Armados”, enquanto morríamos directamente das suas balas assassinas.

No meu país, os ladrões violam todo o tipo de leis, acordos, para se proclamarem vencedores, e, quando descobertos, refugiam-se no dispositivo superior da Constituição, para garantirem colheitas do furto.

Como sempre, o árbitro que é a CNE não viu nada. O fiscal de linha que seria o Conselho Constitucional actua como escudo, afina pela surdez clássica para não defraudar os patrões, que gozam de todo o aparato do Estado. Aquele que deveria garantir o respeito pela lei escandalosamente violada dá guarida aos ladrões que não só roubam os votos, mas roubam do erário público, dos recursos naturais e das doações internacionais. (Adelino Timóteo)

Fonte: Canalmoz - 20.02.2015

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