segunda-feira, outubro 13, 2014

Moçambique: Do Frelimistão à parte incerta

HENRIQUE BOTEQUILHA e ANDRÉ CATUEIRA

Terra dos pais da nação em Gaza, berço da guerra na Gorongosa e origem do sonho alternativo na Beira – três bastiões dos partidos dominantes em Moçambique, em vésperas das eleições gerais que vão testar 40 anos de governação Frelimo e uma paz alcançada em plena campanha.

Se quisesse seguir o caminho mais fácil, Miguel Jamisse teria um cartão tão vermelho como as bandeiras que se erguem ao longo de centenas de quilómetros em Gaza, uma faixa monocolor do partido no poder, no sul do Moçambique.

Inhambane não é assim e Maputo muito menos. Mas a província que se encrava entre ambas irrompe como uma manifestação constante da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), que na quarta-feira defende em eleições gerais a continuidade de 40 anos de governação do país.

Contra tudo e todos, Jamisse fez subir uma solitária bandeira do MDM (Movimento Democrático de Moçambique) no poeirento mercado de Macia, mesmo ao lado de mais uma do partido adversário. Fundador local daquela força política em ascensão, denuncia uma campanha de perseguição contínua e frequentemente ouve ameaças de que a sua loja de mobílias vai arder. Tal como aconteceu ao interior da sede do partido em Abril passado.

“Fiz essa casa com as minhas próprias mãos. Eu também já fui da Frelimo quando todos éramos Frelimo, mas nunca queimei casas”, declara o líder local, junto do que restou da construção em blocos de cimento, agora revestida com cartazes do candidato presidencial do partido, Daviz Simango, e seu slogan “Moçambique para todos”.

“Quando saímos à rua, perseguem-nos e bloqueiam-nos com os carros, levantam tanto pó que nem se vê mais nada. Obrigam os nossos apoiantes a despir as camisetas do MDM e a vestir as deles e a polícia ainda nos prende arbitrariamente”, descreve o dirigente político, que, antes da campanha esteve detido cinco dias. “Não há condições para eleições aqui.”

A vila de Macia foi um dos palcos de ataques de apoiantes da Frelimo, na terceira de seis semanas da campanha, à caravana eleitoral de Simango, em vários pontos da província, resultando em violentos confrontos entre membros dos dois partidos e posteriores acusações de tentativa de assassínio do líder político.

“Pelo que vi na televisão, quem levou porrada foram os homens da Frelimo e quem levava paus era a oposição”, comenta Samuel Matsinhe, primeiro secretário da Frelimo em Xai-Xai. Embora autorizado a falar apenas sobre o que se passa na capital de Gaza, a ideia de que toda a província é dominada pelo partido no poder “não passa de um mito”.

‘Chapa 100’
A longa avenida que atravessa Xai-Xai cobre-se com cartazes do partido no governo e seu candidato, vendedores informais vestem literalmente Frelimo, à sombra das arcadas dos prédios coloniais e, mais uma vez, a oposição está ausente, por alegada falta de autorização dos donos dos edifícios. “Se os outros não conseguem, problema deles. Há muitos postes e sítios públicos por aí”, observa Matsinhe.

Da sede do partido de Armando Guebuza, colunas potentes lançam para a rua hinos da Frelimo cantados em changana. É lá o ponto de partida e chegada de activistas que promovem Filipe Nyussi, o primeiro candidato presidencial do partido sem origem na elite do sul, de forma “ordeira e pacífica”, garante o primeiro secretário. Mas, para o porta-voz local da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), Bento Mavie, “Gaza é o inferno da democracia”.

“Quem não se identifica com a Frelimo está condenado. Não tem emprego, não tem casa, não tem nada”, declara o ex-professor primário, que diz ter sido afastado há 22 anos do ensino pela sua filiação na oposição. “Quando os meus grupos saem para a campanha estou sempre a perguntar-me o que lhes pode acontecer.”

A sede da Renamo em Xai-Xai situa-se no interior de um bairro residencial, assinalada por bandeiras do partido da perdiz que só os vizinhos conseguem ver. Precisa de obras. As fotos do líder histórico do partido, Afonso Dhlakama, têm décadas e ali a Frelimo ainda é referida como um partido comunista.

A intolerância na província é ainda mais grave nos distritos rurais, miseráveis e isolados, segundo a oposição, que enfrenta dificuldades de recrutamento de membros para as mesas de voto e delegados de candidatura por “medo de represálias”. Em Chibuto, Pedro Pelembe, dirigente local da Renamo, interrompeu a campanha “por causa dos maus-tratos dos homens da Frelimo”. Tanto a sua casa como a sede local do partido foram invadidas por adversários. “Não destruíram nada, foi só para humilhar mesmo.”

Terra natal de Eduardo Mondlane, Samora Machel e Joaquim Chissano, Gaza é mais do que o berço dos pais da nação, é a única província moçambicana onde a oposição nunca elegeu deputados e a vitória da Frelimo permanece certa: “Chapa 100”, como ironizam apoiantes do partido, em alusão ao nome das carrinhas de transporte semipúblico, ou “Frelimistão”, capa do semanário privado Savana, após o desfile de pancadaria à passagem do líder do MDM.


Fonte: Público.Pt – 13.10.2014

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