quarta-feira, agosto 13, 2014

“Quarto Poder” cumpriu o seu papel no processo de pacificação?

Ainda é pouco, pois pode fazer muito mais
Por Noé Nhantumbo
Mas impõe-se que nos situemos e que se saiba dirigir o fogo da palavra para o alvo certo ou para alvos mais decisivos nesta fase do combate pela democratização do país.
Julgo que nada de mais importante existe do que remover as células do partido Frelimo da comunicação social pública. Em segundo lugar, importa que se tenha a compreensão dos mecanismos que presidem e determinam a auto-censura na classe. Em terceiro lugar, poderia dizer que a unidade da classe vai trazer dignidade salarial e corporativa.

O “Quarto Poder” não é um apêndice de outros poderes. Afirma-se como uma força necessária com que pode contar pelo trabalho concreto de seus membros.
A ligeireza com que se olha para o assunto por vezes mina a capacidade de se encontrar formas mais acutilantes e produtivas.
Editores e proprietários de jornais e estações televisivas e de rádio podem fazer muito mais do que se faz hoje.
Foi doloroso o parto de uma imprensa livre no país e neste sentido há que saudar os timoneiros e fundadores. Estes tiveram a coragem, ousadia e sabedoria de erguer-se e colocarem a comunicação social em carris diferentes do que o DIP (Departamento de Informação e Propaganda) impunha.
Mas em que ficamos, quando estatuído e instituído que o aparelho deEstado é apartidário, e vemos a comunicação social pública sendo instrumentalizada e comandada a partir da sede do partido Frelimo? Não se tenham ilusões sobre a veracidade desta pergunta. De maneira aberta e visível, convocam-se comunicadores sociais associados a meios públicos, e utilizam-se os mesmos como assessores de campanhas políticas e eleitorais. Subjuga-se a ordem instituída, utilizando meios mais coercivos, como o despedimento puro e simples dos que não obedecem. Chega-se ao cúmulo de ditar o que deve ser, ou não, publicado. Que pessoas devem ser banidas, ou quem deve ser exaltado de maneira permanente.
As coisas chegaram ao extremo de, a coberto de uma iniciativa de promoção da agenda política e económica, calarem vozes discordantes provenientes do seio do partido no poder.
Se Sérgio Vieira foi praticamente expulso ou empurrado para fora do jornal “Domingo”, isso deve ser visto como uma forma de discriminação activa que atenta contra os seus direitos constitucionalmente consagrados. Não importa se ele veiculava o que não contentava alguns governantes, ou se estamos de acordo com o que ele escrevia. A comunicação social pública ou privada é um espaço de liberdade por natureza e por excelência.
Não reconhecer que, por exemplo, SV dizia coisas com sentido e oportunidade sobre a exploração de recursos naturais do país é fechar os olhos a afirmações de conteúdo importante. Se ele foi ou não bom gestor, é outra coisa. Questionar a sua moçambicanidade com adjectivos pejorativos, isso já é entrar no campo do racismo primário, e constitui uma forma de combate cobarde de moçambicanos que não são patriotas. O combate pela libertação de Moçambique teve negros, brancos, goeses, mulatos e todas as raças envolvidas.
Não me agradam alguns ‘pronunciamentos’ de alguns escribas, mas isso não me dá o direito de denegrir a sua imagem, utilizando meios pérfidos e de baixa índole.
Trazer o “Quarto Poder” neste momento é uma constatação de que este é importante e poderá jogar um papel de fundamental importância na democratização do país.
Os atrasos verificados em infindáveis rondas negociais são em parte resultado do papel de travão à razoabilidade e pertinência da discussão séria dos pontos da agenda. Muito do legalismo entorpecente visto ao longo do processo foi dirimido por pessoas influentes na comunicação social pública e nalguns sectores da “mídia” privada.
Com o ar desanuviado e com o acordo político alcançado, chegou a altura de haver uma reflexão na classe sobre o que esta pode fazer para promover a concórdia nacional sem abandonar o seu papel e responsabilidade de difusor imparcial, credível e moçambicano de notícias e conteúdos de interesse público.
Cada um no seu posto de trabalho, com meios escassos ou com abundância dos mesmos, pode fazer muito mais para que Moçambique se torne naquela pátria que os seus amam e preservam.
Dar saltos qualitativos com responsabilidade e integridade é da responsabilidade de todos jornalistas juntos.
Com uns ajudando os outros, vai ser possível remover as células dos partidos e o controle editorial dos meios de comunicação social pública.
Afinal, os impostos dos moçambicanos é que mantêm estes órgãos funcionando. Daí que não se possa aceitar que estes órgãos se comportem como sectores do departamento de Informação e Propaganda da Frelimo.

Contra a Frelimo, em si, não se está contra. O que se nega com veemência é que esta continue aplicando estratégias de funcionamento próprias dos tempos em que imperava o partido único. (Noé Nhantumbo)

Fonte: Canalmoz - 13.08.2014

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