sábado, fevereiro 23, 2013

Quando os “cães” são estrangeiros…

Por Pedro Nacuo

Pelos vistos a caravana pára quando “cães” estrangeiros ladram! Mas ela (a caravana) passa quando “cães” nacionais ladram, ajustando-se, qual carapuça, à máxima secular dos povos segundo a qual “os cães ladram, a caravana passa”.

Estamos todos atarantados, depois de um relatório de uma instituição de investigação estrangeira ter apresentado o que todos sabíamos: como a madeira sai, ilegalmente, de Moçambique; quanto o país perde sem que sejam punidos os prevaricadores. A importantização do que é de fora ficou, mais uma vez, patente, na reacção da sociedade e instituições moçambicanas.

É como se nunca tivéssemos escrito que a província de Cabo Delgado era a região moçambicana onde o cumprimento da lei era uma excepção em todas as fases de exploração e exportação de produtos florestais-madeireiros, pois a regra era não cumpri-la, principalmente na exportação.

Esta conclusão tirámo-la depois de, por esta pena e neste jornal, em 12 anos, termos escrito e publicado 31 artigos sobre violações no sector florestal, em Cabo Delgado. Dezassete por infracções na exploração (desde o corte de espécies de tamanho não autorizado; corte sem licença; corte em locais não autorizados, como no interior do Parque Nacional das Quirimbas ou Fazendas de Bravio, arrasto e transporte sem guia, e não declaração das quantidades reais).

Oito notícias referindo-nos a exportações ilegais (madeira não declarada, espécies proibidas por Lei e exportação em toros de madeira da primeira classe), uma notícia sobre uma tentativa de exportação de raízes de árvores do grupo de espécies da primeira classe, igual número sobre uma tentativa de exportação de outros produtos e recursos naturais, disfarçados de madeira.

Escrevemos e publicámos, ainda, três tentativas de exportação a partir dos portos de Nampula, mais quatro notícias por abandono de produtos florestais em estância, igual número, forçados a fazê-lo pelo roubo de madeira dos outros operadores florestais.

Durante estes 12 anos, escrevemos e publicámos que, dessas infracções (31), 20 eram duma única empresa, chamada Mofid, Lda, que, num único ano, cometeu a proeza de ser apanhada 10 vezes a violar a lei e lhe foi aplicada multa em todas elas, mas só viria a pagar uma.

É como se nunca tivéssemos perguntado como em 2009 foram exportados 5000 contentores, numa província quase sem serrações. Como teria sido exportada a madeira cumprindo a lei, que obriga que só seja feito depois de processada, segundo as espécies que são apetecíveis no local da chegada… concluímos que terá sido exportada sem ter sido processada.

Mais interessante ainda, escrevíamos e publicávamos, então, o facto de as oito exportações ilegais atrás referidas terem sido do nosso conhecimento por ter havido desentendimento entre as partes que “comem” pela exportação ilegal (e não se pense que se trata de apenas fiscais) e um bufo (do estilo fuga de informação) de empresas concorrentes.

Isso conduzia-nos à ideia de que, nas vezes em que a divisão da corrupção em pequenas fatias se achasse equitativa ou conforme o papel reconhecido de cada um dos intervenientes, não havia nada que transpirasse nem para os jornais, nem para o gabinete do governador, nem para ninguém, ficando a ideia de que tudo estava a correr perfeitamente.

E com este tema, deste modo colocado, fomos convidados a palestrar, em Maputo, em Março de 2011, pelo Centro Terra Viva, momento em que falámos do espectro da exploração florestal em Cabo Delgado, tudo à volta da Estratégia Governamental de Administração e Gestão das Florestas em Moçambique, no ano declarado pela Assembleia Geral das Nações Unidas como Internacional das Florestas. A comunicação foi apresentada na Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal da Universidade Eduardo Mondlane.

Ora, o que há de novo? Não havia pistas suficientes para que seguíssemos (investigássemos) o caso? Esperávamos que aparecesse quem acusasse, no sentido de que apresentasse os nomes de gente nossa que aparentemente estivesse envolvida nisso? Quer dizer, esperávamos que houvesse quem (de fora) investigasse por nós, apesar de termos bastantes instituições para isso vocacionadas?

Os madeireiros, em Cabo Delgado, há muito que entraram em greve silenciosa. Estão mudos, faz muito tempo! Sempre que alguém se reúne com eles, para falar de exploração do produto que os une como empresários e desde que seja do nível de ministro da Agricultura ou equiparável, organizadamente calam-se! Não falam! Não querem conversar com seu concorrente.

Tudo isso não foi dito pelo relatório dos respeitados investigadores internacionais, que a melhor coisa que fizeram foi terem usado métodos menos comuns entre nós e provavelmente (se fossem jornalistas) eticamente reprováveis… não porque nos trouxeram novidades.

Dizendo a verdade, o relatório daquela agência de investigação ficou aparentemente completo porque os investigadores chegaram onde as nossas instituições com igual mandato não têm a coragem de chegar. Onde teriam chegado há mais de 10 anos.

Realmente, novidades foram dadas, à medida que os anos iam passando, mas como eram trazidas por nós mesmos, todos, de forma cúmplice, pensávamos que se estava a dizer por dizer.

Fonte:  Jornal Notícias – 23.02.2013 

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