sexta-feira, fevereiro 22, 2013

As atrapalhações de primeira classe!

Por Matias Guente

Penso que o Professor Elísio Macamo, mesmo a partir do ocidente tem dado várias contribuições para o nosso debate público, o que por si deve ser saudado a todos os níveis muito pelo condão participativo. Mostra que não está alheio aos processos da sua terra e, sobretudo, como os seus compatriotas analisam os seus acontecimentos. Saúdo-lhe, pois, por isso, e faço votos para que continue a acompanhar o que acontece no seu País. É um acto de patriotismo simbólico.  Só que as leituras do Prof. têm não poucas vezes me deixado deveras preocupado, sobretudo pelo número de pessoas que o têm como exemplo de académico.


Mais: pelo nível de sermão dogmático que as suas análises atingiram em algumas mentes. Foi mesmo por isso que quando no ano passado informei a um amigo que eu queria responder a um artigo do Prof. com o qual não concordava com o mínimo do que lá estava escrito, fui categoricamente tido (pelo meu amigo) como uma espécie de delinquente que estava prestes a pregar heresias ao rebanho do Prof. Entendi o jovem porque para além de não ter ideias próprias ele é muito seu fã. Não gosta apenas do que o Professor fala, gosta mais ainda quando o professor fala. 

Hoje 2013 ocorreu-me verificar que afinal aquele jovem era apenas um de uma incrível legião de fãs que encontra orgasmo nas suas frases. Foi então aí que percebi que a febre tinha a seu favor o efeito contágio. Mais não fiz. Tomei a liberdade de com todo o respeito que tenho pela sua figura, deixar ficar aqui algumas linhas com as quais espero não ser abatido nem debatido. Que sejam debatidos os factos e triunfe o intelecto! Uma das principais marcas do Elísio é quanto a mim a crise de objectivos.

Vou explicar melhor: bem lidas as análises do Prof. Doutor, facilmente se pode depreender que transpira-se mais o que as pessoas vão dizer e pensar que propriamente o objecto da análise. Daí que o uso recorrente de “vejam bem”, “que fique claro”, “espero ser entendido bem” e termos de sinonímia equiparada. E mais: a estratégia é a de “danos proporcionais”.

Dificilmente Macamo fala de um só objecto. A estratégia é dividir as culpas para que reacção seja também exemplarmente bem dividida. Por exemplo, quando fala do Governo, também fala degradação do nosso espaço público e a forma como as nossas ideias (nós cá que estamos em Moçambique) são publicamente colocadas desde os jornais até grupos de interesse.

Quando fala da oposição também o faz na mesma proporção do Governo. Fala sempre de dois. A ideia é: quando me crucificarem pelo que andei a dizer ao Governo também terei dito algo contra a oposição. E quando me atacarem por ter falado da oposição, não terão por onde me “pegar” porque terei “insultado” também o Governo. Então o actor aqui fica no meio e recebe palmadinhas e apupos dos dois lados e reduz de forma mestra possível descredibilização. O que importa é o número de likes, tal como o próprio Macamo diz. É a sociologia fundada no Facebook!

Só dois exemplos: num passado recente Macamo teria escrito no jornal Notícias que emitir atestados de incompetência ao Governo pelo caos no sistema urbano de transporte era e passo a citar “ procurar bodes expiatórios lá no Governo”. Isso porque, segundo disse, os cidadãos não fazem nada que por exemplo seria levar passageiros nas paragens para o caso dos que têm viaturas privadas.

Primeiro fiquei sem saber do conceito de bode expiatório do Prof. Elísio e, segundo, fiquei a perguntar a mim mesmo se os Estados funcionavam graças às atitudes de solidariedade dos seus cidadãos.

No primeiro caso, tomei o “bode expiatório” na acepção quotidiana como sendo a atribuição de culpa ou responsabilidade de forma consciente a um ente sobre quem na verdade não recai tal responsabilidade ou culpa, escondendo-se assim o verdadeiro culpado.

Ora não me parece científico nem sociológico dizer que é procurar bodes expiatórios atribuir responsabilidades ao Governo pela sua incompetência na questão dos transportes urbanos. Me parece político este pensamento. E sobretudo política de má fé.

Os cidadãos podem até levar seus compatriotas nos seus carros, mas não é sua obrigação. É obrigação do Governo disponibilizar transporte e não obrigação dos cidadãos serem de coração magnânimo.

Segundo exemplo: Agora, Macamo escreveu um artigo na sua página com o título "Insinuações de Primeira Classe", onde ridiculariza o relatório feito pela EIA. Diz que o relatório feito pelos ingleses tem um precário cunho científico. Porque “a conclusão a que o relatório chega é de que o mundo está a perder não só as suas florestas como também, e sobretudo, espécies raras e preciosas de madeira, largamente por causa do apetite voraz chinês pela madeira que é satisfeito pelo comércio ilegal.

Esta é a preocupação principal do relatório. Suponho que tenha sido também o facto que os autores do relatório quiseram estabelecer quando se lançaram na investigação. Os chineses estão a delapidar as florestas! Faz parte duma paranóia em relação à China que se instalou sobretudo no Ocidente e que tem promovido instintos quase que maternos jamais vistos em relação à África. Quase toda a gente quer nos proteger dos chineses” sic.

Ora, é para Elísio Macamo, “paranóia” dizer que os chineses são os que andam com conivência das nossas estruturas administrativas a delapidar as nossas florestas. Este raciocínio foi criado no ocidente segundo o Prof. Doutor. Paranóico mais é, fiquei eu, com tal leitura caro Prof. Doutor. Talvez porque o Prof. Doutor viva (sorte a sua) no ocidente. Mas lá em Pemba há pessoas que nunca escutaram rádios, jornais, nem TV do ocidente, e que sabem perfeitamente da acção dos chineses ligados ao contrabando.

O relatório tem registos numéricos de entrada da madeira na China, sua proveniência e os de saída em Moçambique que têm uma discrepância simplesmente pornográfica. Não é uma questão de ódio aos Chineses. É uma questão de facto observado. E nem precisa ser sociólogo! Basta ter olhos e ter a sorte de raciocinar!

Diz também o professor que “quando lemos coisas que dizem respeito ao nosso país e foram escritas por gente de fora temos a tendência de partir do princípio de que essas coisas têm que estar absolutamente certas”. Isto é um grosseira mentira para o contexto actual caro Prof. Doutor. Talvez tenha sido mesmo assim, no passado mas já o não é agora. Quando uma organização internacional conferiu um prémio de protecção florestal ao PR muitas vozes aqui nem quiseram saber da origem da organização. Viram apenas que o prémio era uma monumental fraude porque o PR nada faz(ia) para proteger as florestas. Portanto este argumento ou visão não parece fazer muito sentido. Há pessoas que raciocinam neste País, e felizmente começam a aparecer em número animadores. Este expediente de ovação às leituras estrangeiras já não funciona. Até porque o que funciona agora é uma teoria elaborada no partido em que infelizmente o Prof. dá mostras de querer ser procurador dela. É a teoria da conspiração.

Verbalmente traduzido: Tudo que vier do estrangeiro, se for mau para o Governo/partido será, nos minutos a seguir, conotado com inveja à Frelimo e seus “exemplares” dirigentes e tentativa de desestabilizar o País. E se os críticos forem internos é convocada a teoria de sobrevivência financeira que é verbalmente traduzida por: “está a ser usado por brancos”! Ou seja, só são brancos quando nos criticam e quando nos apoiam em fraudes são países amigos.

Foi essa teoria que usaram para ridicularizar as Nações Unidas quando através do relatório sobre o Índice de Desenvolvimento Humano disseram que Moçambique era um dos piores países para se viver. Penso que não precisa de ser branco, mulato, negro, caneco, ou professor de uma universidade ocidental para nos dizer tão dura realidade. É verificável, numérica e socialmente.
  
Elísio diz que “embora o relatório sugira fortes indícios de envolvimento do Ministro e do ex-Ministro no negócio da madeira com os chineses, não apresenta elementos que nos permitam concluir que esse envolvimento seja à margem da lei ou que seja mesmo coisa assente. O que o relatório faz a este nível é tecer insinuações de primeira classe que encontram terreno fértil na nossa esfera pública crédula”.
  
Mais uma fez, a nossa esfera é na opinião do Prof. muito anacrónica, que só acredita porque os brancos disseram.

No relatório há acusações directas ao ministro. E o nome da pessoa que faz acusação está lá, a sua empresa também está lá. E existe em Pemba. Nada é fictício aqui. “Quando o ministro quer dinheiro, vem buscar a mim”. Isso está lá escrito.

Não andamos a “cantar demita-se” porque somos crédulos. Pensamos que o nosso Governante está sob acusações graves e está remetido a um cobarde e cúmplice silêncio. É uma questão de honra do nosso Governo que tem a obrigação pública de nos dizer que afinal “são apenas acusações de brancos”.

Não se trata aqui de partir da presunção de culpa. Mas é o silêncio das instituições que por competência tratam disso que nos deixa preocupados. É um ministro da nossa República que é chamado de mafioso. Não acha que em nome da sanidade o Estado já devia andar preocupado? Só por si, isso consubstancia uma provocação diplomática e temos a obrigação de exigir contas.

O Prof Doutor. faz também a seguinte referência: “fala-se de apreensão de carregamentos ilegais e aplicação de multas aos chineses. Não sei se sou o único a achar que este assunto devesse merecer maior atenção nas nossas discussões. Se há apreensões e multas é porque nem todo o sistema está corrompido, portanto, há quem faça o seu trabalho com zelo e brio” sic.
A referência que se faz de multas (sem prejuízo dos outros casos) é de uma mega operação de mais de 500 contentores que iam zarpar para China como se fossem de madeira normal quando na verdade era madeira de exportação proibida em toras. Mais tarde as empresas foram multadas e curiosamente não houve nenhum processo disciplinar nem detenções no porto, nas alfândegas, na agricultura, nem na Acção Ambiental. Onde há zelo aqui? Talvez o zelo esteja no acto de receber a multa. Urge debater a questão do zelo.

Portanto, podia desconstruir mais parágrafos da sua análise para mostrar a atrapalhação de primeira classe em que Prof. pode estar a incorrer. Mais uma vez ficou provada a minha “teoria dos danos proporcionais”. O professor não falou da corrupção. Falou do Governo, madeira, corrupção e da nossa alegada precária leitura. Ou seja: quando for questionado sobre o Governo, terá mandado bocas aos críticos e se for questionado sobre os críticos terá falado no mínimo de “fortes indícios de envolvimento do Ministro”. Resultado: tudo fica empatado e não será linchado de todo. Os danos foram de forma proporcional bem divididos e os likes, estes virão dos dois lados. O que importa são likes. É a sociologia do Facebook…infelizmente! Mas ganho algum ânimo porque sei que o ilustre Prof Doutor é muito bem capaz de sair deste ciclo. Basta ter vontade e ser mais ponderado! (MGJJ)

Fonte: Mural de Matias Guente (Facebook) – 22.02.2013

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