sábado, maio 19, 2012

(Ir)responsabilidade social. O caso das mineradoras.

Por João Mosca

Responsabilidade social por definição, é a reposição ex post (depois do facto), a um indivíduo, grupo de pessoas (comunidades) ou ao conjunto da sociedade, dos efeitos negativos provocados pela intervenção de uma pessoa, empresa ou do Estado num determinado local ou na sociedade ou, evitar ex ante (antes do facto), que determinados efeitos negativos económicos, sociais ou ambientais sejam produzidos.

Referindo-se aos casos das explorações mineiras, está devidamente estudado em várias partes do mundo, incluindo em Moçambique, acerca dos múltiplos efeitos negativos produzidos. Destacam-se os seguintes:

-  Efeitos sobre o ambiente:

•     Desflorestação, perda de biodiversidade, de fertilidade dos solos, de pastagens, da fauna, da flora e mudanças climáticas.
•     Poluição dos solos, do ar e das águas.

•     Exploração não sustentável com delapidação dos stocks.

- Efeitos sócio-económicos

•     Afectação da saúde pública com maiores probabilidades de determinadas doenças profissionais, sobretudo dos trabalhadores.
•     Reassentamentos acompanhados de perdas de património (habitação, terra para a agriculturas e pastagens currais, etc.), redução de acessibilidades aos mercados, serviços e à rede social e de outros não tangíveis.
•     Maiores dificuldades de comunicação e transporte e custos acrescidos de mobilidade.
•     Piores condições de produção, menores oportunidades de realização de negócios, maiores custos de transacção.
•     Distanciamento das relações antropológicas e sociológicas, com os espíritos e os mortos, a organização social da família e clã, os hábitos e costumes das famílias e das comunidades.
Esta complexidade de efeitos interrelacionados só poderá ser compreendida com abordagens interdisciplinares, não politizadas e não influenciadas por interesses económicos nem partidários. E isso falta em Moçambique. Rapidamente pessoas são chamadas de “anti patriotas”, restos do “comunismo”. Pessoas que “não sabem o quanto de bom se está fazendo por esta terra” ou “que estão a cumprir agendas externas”. São frases que soam em várias instâncias, incluindo ao mais alto nível do poder governativo.
Muitas empresas e a governação referem e mediatizam algumas acções/actividades que designam por responsabilidade social. Geralmente é um posto de saúde, uma escola, um poço de água, uma viatura para “reforço institucional” e, quando muito, algum apoio à produção agrícola. Quando se trata de reassentamentos, como no caso de Tete, a globalidade dos aspectos implicados ficam perversamente polarizados na questão das casas.
Governação e empresas fazem a propaganda dos méritos dessas actividades. As empresas porque minimizam a responsabilidade social com acções de baixo custo se comparado com o volume de investimento e os sacrifícios dos afectados. A governação porque vê reduzida ou mesmo desresponsabilizada (passando o ónus para as empresas) pela prestação de serviços públicos. Em muitas ocasiões, as comunidades aceitam e contentam-se porque vêm resolvidos alguns dos problemas então sentidos (escola, posto de saúde, poços de água, apoio na produção agrícola).
Em resumo, as três partes interessadas ficam satisfeitas. As comunidades porque não têm formação e conhecimento sobre o valor económico dos bens tangíveis e não tangíveis que perdem e agradecem, por exemplo, a escola, o posto de saúde e o poço de água. A governação porque se desresponsabiliza, baixa os custos orçamentais e captura a actividade como se fosse sua, aumentado a legitimidade junto dos beneficiários. As empresas porque transmitem uma boa imagem, fica barato e pensam ter assegurado dessa forma a “boa relação com as comunidades” e com o governo, mesmo que no dia seguinte surjam protestos populares. Governo e multinacionais cobertos por acordos políticos compreendem-se entre si e aceitam favores mútuos, como por exemplo, por um lado, a internalização de determinados custos “sociais” nas empresas ou pagamentos antecipados e empréstimos ao governo e, por outro, facilidades acrescidas de operação.
A governação e as empresas sabem que não estão sendo socialmente responsáveis, sabem que estão instrumentalizando um conceito, que estão fazendo propaganda e publicidade enganosa e, finalmente, porventura, ficam descansados pelo engano. A população está em enorme desvantagem negocial pela grande assimetria de informação e de conhecimento, está sendo enganada, na maior parte dos casos sem o saber. Isto é, enganam, sabem que enganam, ficam satisfeitos por enganar e, depois, porventura, ainda dizem que as comunidades são ignorantes (“burras”), isto é, terminam por rir-se do engano praticado.
Porém, em muitas ocasiões, os acordos estabelecidos com as comunidades não são ou são parcialmente ou enganosamente cumpridos. Casas mal feitas são propagandeadas com um misto de prepotência, e “chico espertismo” como o melhor reassentamento do mundo (ouvi eu e outras pessoas de um responsável da Vale aquando da visita às minas em Moatize). Diz-se que não há efeitos ambientais negativos quando as salinas da Matola ficam poluídas e interditado o consumo do sal aí produzido. Distribuem-se papéis rasgados e não assinados nem carimbados, onde se escreve à mão o valor a receber por alguma indemnização nos reassentamentos. Diz-se que se fornecem milhares de refeições por dia quando isso é a única alternativa das empresas para manter o trabalhador ao serviço e dele exigir maior produção. Levanta-se a bandeira da formação profissional, incluindo no exterior, quando essa é uma estratégia de reduzir custos do trabalho, comparativamente com a contratação de expatriados. Cortam-se árvores para exportação de madeira sem que exista alguma plantação. Sabe-se que existe perda de fertilidade dos solos sem que haja acções de reposição do potencial produtivo da terra.
Tudo isto se sabe e existe identificação dos locais, dos agentes e de pelo menos parte das consequências sociais e ambientais. A governação diz-se defensora dos interesses do “povo” sem que existam acções nesse sentido, sobretudo quando a aliança com o capital pode ficar comprometido.
Numa perspectiva de longo prazo, estas práticas são contra os interesses da governação e do capital, porque existem dinâmicas económicas e sociais sem efeitos imediatos. Esse prazo está para além da gestão dos actuais políticos e gestores e “quem vier que feche a porta” ou, “que se aguente”. Entretanto, as multinacionais acreditam na cobertura política entre governos (moçambicano e o da origem do capital) para que sejam criadas condições de operação, mesmo que através da repressão policial. A governação está ciente da falta de formação, de conhecimento e de informação e, sobretudo, da capacidade de organização e reivindicação das comunidades. Também por isso a aversão às organizações da sociedade civil e em particular das que actuam ou têm influência no terreno apelidando-as de anti patriotas.
Anti patriotas é um slogan muito usado como forma de pressão e repressão psicológica e como forma de criação do medo social. Isto como se a FRELIMO e a sua governação fossem os monopolistas do patriotismo de uma nação que ultrapassou os limites do nacionalismo enquanto sinónimo de independência nacional, do monopartidismo ou de considerar os cidadãos como objectos e submissos às vontades de pequenos grupos de poder em nome do povo e do interesse colectivo em relação ao qual a maioria nunca acreditou mas muito discursou. Anti patriotas são os que autorizam, sabem o que se passa e nada fazem para terminar com as práticas irresponsáveis acabando por ser eles próprios, conscientemente ou não, com ou sem interesses promíscuos, socialmente irresponsáveis. 


Fonte: SAVANA - 18.05.2012

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