quinta-feira, fevereiro 09, 2012

AS COISAS QUE INCOMODAM!

CRÓNICA
Por: Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas

"A moral não é uma questão de fé nem de mandamento divino. Não é preciso ter fé para se obedecer a um código de conduta com valores morais que todos devemos ter." Miguel Sousa Tavares, jornalista e escritor português.
Ao escrever esta crónica fui pensando na reacção dos leitores. Pensei nos bons e nos maus amigos. Os bons quase sempre têm a capacidade de compreender, de reflectir e de discutir ideias; os maus, indispensáveis por equilibrarem a balança do talhão em que habitamos, discutem pessoas e raramente pontos de vista abertos. No conhecimento, engana-se quem pense o contrário, não há veredas e nem fronteiras fechadas.
É no regaço desta pedra filosofal que me autorizo o direito de lucubrar sobre este tema tão sensível como espinhoso, sem esquecer, claro está, a recomendação deixada pelo jornalista Joel Neto “Tenho provas recolhidas ao longo de quase trinta anos: o homem nasce mau e em maldade vai crescendo, e se a certa altura afasta o espanador do nariz do vizinho é porque o vizinho espirrou e propôs regras de convivência”..

Sinos

Depois de um dia atordoado nas trincheiras da vida, o pobre homem tenta ensaiar na inconfortável almofada das suas mãos, o sono reparador, quando de repente, o barulho provocado pelos sinos das mesquitas, de hora a hora, invade seus ouvidos, afugentado, por conseguinte, joão-pestana. Do outro lado da “margem”, da nascente do ruído, numa linguagem codificada entre os seus, está um mandatário da doutrina de Alá chamando pelo seu rebanho.
Um amigo que o viu rameloso, como os cães da rua da mamã Nhamita, indagou: “Amigo Camuendo, donde vem estas ramelas de cães em seus olhos?”.
Amigo Auonauaia, respondeu ele, não sabes tu que os sinos quando tocados de forma constante e ensurdecedor remetem os ouvidos aos cuidados médicos e os olhos, que são “vizinhos” dos ouvidos, ganham outra cor? De facto! Uma semana que fiquei hospedado numa residência amiga na baixa da cidade de Maputo foi suficiente para recordar as “prova de sono” que passei com colegas num lar de estudantes em Moatize. E dei cá comigo a pensar: porquê o uso dos sinos nas congregações religiosas?
Por que remédio foram fabricados os relógios? Até onde os sinos incomodam? Por que carga de água os fiéis precisam de apitos ou se preferir de sinos para despertar neles os momentos de oração? E a liberdade alheia? Há que repensar!

Gritos

Pouquíssimos anos se passam desde que deixei Moçambique rumo ao chamado “Velho Continente”. No regresso à pátria, em cumprimento das “cólicas terem que continuar a fustigar o útero materno, buscando o bebé ausentado, reclamando o fim do inferno”, quão estupefacto fiquei ao ver uma densa fauna desenfreada de igrejas que pululam um pouco por todo o país.
Diz-se por cá, em Maputo, que está prática virou negócio rentável. É um investimento seguro e viável. Com o fim da guerra fratricida (louvado seja o senhor), algumas pessoas sobretudo de origem estrangeira vê o nosso país e a religião terrenos férteis para enriquecerem.
Um conhecido meu, cansado de ajudar os outros a fundar partidos políticos, é dono de uma igreja lá para o povoado de ‘Capinhatola’, na província de Tete. Como forma de angariar fiéis incautos, diz ele que a referida igreja é dos tempos imemoráveis e têm raízes nos EUA. A Internet através do provedor Google desconhece a existência nos EUA de uma tal igreja, que entretanto ele criou há pouco menos de cinco anos por imposição dos duros golpes do estômago.
Hoje é dono de uma frota de “chapas 100”. Enfim…
Há concorrência figadal entre essas seitas. Quanto maior for o verbo, a gritaria e a encenação de bradar os céus, maior é a quantidade de “peixe” que a “rede” apanha. Estar em Maputo, por exemplo, deixou de ser agradável. Além da edilidade que lucra com o diabo maldito que suja a nossa capital, o ruído do culto dessas igrejas obriga o peão a andar de ouvidos tapados.
É terrível. É tanta vozearia junta que cá comigo fico com algumas dúvidas se Deus consegue ouvir, ao mesmo tempo, tanto clamor de gente que muitas vezes campeã na destruição do tecido social.
Autênticas latas de sardinhas são como funcionam elas (com a vantagem que as latas de sardinhas levam óleo lubrificante).
As pessoas ocorrem em massa.
Amigo Chaleca, dizia-me um amigo que na zona tem a fama de ser duro nas suas análises, se aqui em Moçambique houvesse subsídios de desemprego como acontece em muitos países europeus, dúvida não tenho que a maioria dessa “gente” que frequenta algumas dessas seitas, entre rezar e trabalhar, teria escolhido rezar e ficar em casa.
Não tem horário, o culto e as vozearias andam à mesma velocidade. Se o veio de transmissão que faz locomover este “mundo cão” dependesse apenas da oração, estão este “mundo cão” não precisaria de existir. O mundo precisa de oração, de reza, de crença a Deus, de ciência mas também de muito trabalho, para sairmos desta hecatombe em que nos mergulhamos. É a resposta à pergunta que colocámos ao Bispo e laureado prémio Nobel da Paz D. Ximenes Belo em Portugal.
Há que pensar seriamente na lei que regula essas seitas. Enfim, há que pensar na lei que fecunda (à semelhança de cogumelos em tempo chuvoso) essas seitas.

Mesura

Certas coisas que vejo acontecer na Sé – Catedral de Maputo, onde rezo e oro, fazem-me lembrar os desabafos dos compêndios da antiguidade em que os bancos das filas da frente nas igrejas da época eram reservados às figuras consideradas de súmula importância para aquela sociedade.
Coisas construídas secularmente não podem desaparecer por decreto, diz o poeta “N’kulu”. Pois é!
Na Sé – Catedral de Maputo, local onde era suposto haver igualdade de direitos à luz de preceitos da doutrina católica, independentemente da musculatura física, estatutária, bancária, económica ou financeira entre os homens, este saga continua e floresce. O exemplo disso é o especial e exclusivo tratamento que a direcção da Sé – Catedral de Maputo dá à família Chissano, nomeadamente ao antigo chefe de Estado e esposa (incluindo a seguranças que os acompanha ao culto), com direito a se sentarem na fila da frente e em poltronas diferentes da maioria dos fiéis, como se as nádegas de uns fossem de palha e de outros de ferro. Também assim acontece, infelizmente, com os “emissários” de Deus. Um dos meus sobrinhos vendo tal cena e outras de que não dispomos de espaço e nem de autorização da gazeta para nos alongarmos nesta crónica, perguntou-me: “Tio Chaleca, aqueles dois lá na frente sentados nas luxuosas poltronas, supostamente de ouro, não sendo clérigos, são Jesus e Maria?”
Que responder se a dúvida é a mesma? A fé não se explica, vive-se. Se nesta igreja de Cristo em que todos somos iguais (na verdadeira acepção da palavra) há gente que por impérios de cargos que ocuparam e ocupam gozam de um tratamento especial, isto remete-me à frase do poeta “NKulu”: “Há outras razões para carregarmos a cruz, cabe à própria Igreja encarar isto com outra maturidade e não com apenas dogmas. Alguns dogmas, quando são desfeitos, a refeição de muitos mingua”. Para um bom entendedor, meia palavra basta.
Entretanto, nem tudo são más notícias.
Respondendo ao apelo do pároco da Sé –Catedral de Maputo, o altruísta Jaime dos Anjos, para a compra de um órgão musical, e obras filantropia, a família Chissano colocou à disposição da Igreja peças de roupa (novas e usadas). Por decisão da Igreja (que louvo), decidiu-se pelo leilão em hasta pública. Porque o autor destas linhas não está desprovido de neurónios, à família Chissano, endereço vénia por este gesto humano.

Espaços

Estamos a falar do vulgo “barracas do museu” e da praia Costa do Sol. Como pode um governo que se diz competente e uma edilidade que se considere responsável deixar morrer em câmara lenta os valores culturais e os patrimónios da Nação? No vulgo “barracas do museu”, a escassos metros da residência oficial do chefe de Estado e das escolas secundária Josina Machel e Comercial, desenha-se um cenário semelhando à das favelas do Brasil. Impera desde a imundice, a bandidagem, o estupro, à venda e consumo de bebidas alcoólicas. Como é que um governo que esteja realmente preocupado com a qualidade do ensino, com os valores morais e culturais do seu povo, que preze a boa imagem da capital do país (responsabilidade do município) deixam emergir no coração do poder, um local que virou selva humana?
Que tipo de estudantes terá o país, que durante as aulas, como é frequentemente
reportado, deslocam-se às famosas “barracas do museu” para competirem o consumo de bebidas alcoólicas? Caso há em que pai e filho, professores e alunos, ambos em pleno exercício das suas actividades, fazem-se àquele local, para abastecerem seus apetites. Só há uma coisa a dizer:
VERGONHA. Dizem os que lá frequentam que as casas de banho são as pouquíssimas árvores que ainda sobreviveram à urina e outros líquidos de que o local estimula e proporciona. Uma descarga de imundice para o empobrecimento da beleza da capital do país.
Na praia da Costa do Sol o cenário é o mesmo, quer dizer, um pouco diferente apenas no horário, mas a película é praticamente a mesma. Poluição sonora, prostituição, imundice, erosão, assaltos, etc., tudo junto fazem uma bandeira governativa.
Onde anda a moral? Onde anda a ética? Os discursos dos nossos governantes estão centralizados no combate à corrupção, uma canção que virou hino nacional nos colóquios e nos comités, raramente discute-se nesses encontros os problemas dos valores morais e culturais. Falam em reabilitar a marginal, da erosão que obriga os automobilistas a exercitarem métodos de ‘Kung Fu’ nos pedales, mas na prática, é tudo contos de fado. Esta é a verdadeira Frelimo!

Velocidade vs Transportes

A velocidade que andam os motoristas dos TPM – Transportes Públicos de Maputo compara-se a velocidade dos pilotos da Fórmula 1. A única diferença, milimétrica, está no facto das estradas da Fórmula 1 serem autênticas alcatifas, e dos “pilotos” da TPM, são de barro. Um vizinho meu disse-me há dias que “as viaturas dos TPM” são conduzidas por “motoristas jovens”, daí se explicar a razão de tanta correria nas estradas. Discordo plenamente. A negligência e incompetência não têm idade.
O que falta neste governo é, resumindo, a falta de atitude que deve vir ao de cima.
A fiscalidade e o espírito patriótico foram mandados às urtigas. Quando num espaço de um ano meia dúzia de antigos governantes ou gestores de empresas públicas são detidos ou presos por desleixo, quando um juiz do Supremo Tribunal de Justiça é exonerado das suas funções (ainda que tenha sido por iniciativa própria o pedido de demissão), é sinal de que os “pequenos” tem prerrogativas de lhes seguir o exemplo.
Nalguns países africanos (para não importarmos exemplos europeus) ministros experimentam o calvário do povo, andando de transportes públicos. Se assim fosse no nosso país, quero acreditar que não teríamos problemas com a falta de transportes (calcanhar de Aquiles para os citadinos de Maputo), o Estado não gastaria todos os anos rios de dinheiros para comprar mais e mais autocarros públicos, as finanças dos TPMs não acusaria falência, pouquíssimos autocarros estariam avariados, enfim, teríamos dos melhores transportes públicos do Mundo.
Não temos e nem haveremos de ter nos próximos cinquenta anos, no centenário da Frelimo. Queria estar neste “talhão” para ver.
‘Kochikuro’ (Obrigado)

PS1: No fecho desta crónica, enquanto observava atentamente os maziones temperando seus enfermos no “rio Jordão” – na praia da Costa do Sol, uma SMS entrava no meu telemóvel anunciando a morte, por acidente de viação, dos pais do meu “chamuale” (amigo) de infância B. J.M. Sempre que a minha alma é “invadida” por uma desventura da morte, vem-me à memória a frase do poeta “Nkulu”, que transcrevo na íntegra: “Por mais homilias que se façam, não se translada a dor, no sentido de partilhá-la exactamente, ao ponto de atingir também o simples ouvinte e espectador. Ela permanece onde está, produzindo os seus efeitos: fazer sangrar as feridas cicatrizadas ou em vias de cicatrizar. A orfandade e a viuvez não se exportam nem se importam. São de quem são”.
PS2: Vai também a presente crónica dedicada à memória do pequeno Lopes, vítima de afogamento na praia da Costa do Sol. Que Deus o tenha na sua infinita glória.

Fonte: Whampulafax in Moçambique para todos - 08.02.2012

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