segunda-feira, agosto 15, 2011

Estado não se está a acobardar no caso dos contentores de Nacala?

Daquele jeito, a Autoridade Tributária deu-nos a sensação de que conhece os donos dos contentores retidos em Nacala e sobretudo que sabe que são muito perigosos. Esta é, sem dúvidas, uma sensação desconfortável para nós os cidadãos, que acreditamos e esperamos que o nosso Estado seja sempre mais forte que os bandidos.

Esta semana, a Autoridade Tributária tornou público o primeiro relatório preliminar do progresso da verificação dos 561 contentores de madeira retidos no porto de Nacala, a 8 de Julho último, quando já estavam em três navios, prontos para partir para a Ásia, muitos deles com madeira de primeira em toros, encapotada no seu interior, cuja exportação é proibida por lei. Três factores chamaram-nos à atenção no anúncio feito pela entidade tributária nacional:

1. O responsável da Auditoria, Investigação e Inteligência da Autoridade Tributária, que falou aos jornalistas, fê-lo quase na condição de anonimato, apesar de representar uma entidade do Estado. O Gabinete de Comunicação e Imagem da Autoridade Tributária pediu diligentemente aos jornalistas que o seu agente não fosse identificado nem a sua imagem exposta nos ecrãs das televisões, porque, interpretamos nós, temiam que pudesse vir a sofrer represálias dos lesados com a acção da entidade que representa, neste ou noutros casos em que intervém. Tanto a TVM como a STV respeitaram este pedido e distorceram as imagens do visado.

Reconhecemos que a vida das pessoas é um bem de valor incalculável, que a morte de Orlando José deixou mossa na nossa Autoridade Tributária, sobretudo pela forma como ocorreu e que não será fácil a quem ocupar o seu lugar livrar-se da ideia de que pode ser o próximo alvo.

Mas uma coisa são as pessoas, outra são as instituições. As pessoas podem temer pelas suas vidas, podem até se esconder, mas as instituições não. E naquela conferência de imprensa, com uniforme das Alfândegas envergado, aquele agente estava ali a representar uma instituição, a representar o Estado, a representar todos nós os cidadãos deste país. Era, na verdade, um símbolo da autoridade do Estado, em defesa dos interesses deste, profundamente lesados no caso ocorrido em Nampula. E nessa condição, um agente do Estado não deve nunca transmitir uma imagem temerosa, receosa, fugidia.

Daquele jeito, a Autoridade Tributária deu-nos a sensação de que conhece os donos dos contentores retidos em Nacala e sobretudo que sabe que são muito perigosos. Esta é, sem dúvidas, uma sensação desconfortável para nós os cidadãos, que acreditamos e esperamos que o nosso Estado seja sempre mais forte que os bandidos. Quando o Estado é o primeiro a encolher-se, é o primeiro a duvidar da sua própria autoridade, onde é que nós os cidadãos ficamos?

Naquele momento, mesmo não devendo fazê-lo, aquele agente pensou mais em si como pessoa do que na instituição que representa. Provavelmente, porque no nosso país, em alguns (ou será mesmo em muitos?), os cidadãos pensam mais no Estado do que este neles. Basta nos lembrarmos que precisamente o predecessor daquele agente, Orlando José, foi barbaramente assassinado, após uma apreensão de grande envergadura, como esta, e até hoje não há evidência sequer de que o Estado se tenha empenhado o suficiente para apanhar os responsáveis da sua morte. O que motivará os outros a seguirem-lhe as peugadas?

Por este andar, algum dia teremos os porta-vozes da PRM a aparecerem nos ecrãs encapuçados a anunciarem detenções e ou apreensões de vulto, por temerem represálias. Estamos tramados!

2. O relatório preliminar apresentado esta quarta-feira dá como confirmada a tentativa de contrabando de 381 contentores e de descaminho de outros 120, isto quando já estavam verificados 501, não sendo de afastar a possibilidade de existirem mais contentores com irregularidades nos 60 finais em escrutínio, agora. Dá ainda como confirmada a tentativa de exportação, por quatro das oito empresas, de madeira de 1ª classe em toros, cuja exportação só é aceite quando processada. Conclui ainda que houve falsas declarações nos despachos de exportações de outras duas empresas.

Mas não menciona, numa linha que seja, o que falhou no processo, para que os agentes das Alfândegas e da PRM e ainda os funcionários da Direcção de Florestas e Fauna Bravia, que formam a equipa multi-sectorial, que assistiu ao empacotamente da madeira e selou os contentores, não tenham detectado tão elevada quantidade de contentores. Nesta altura, saber o que falhou é de crucial importância, para a confianca do públicio em instituicões como PRM, Alfândegas e Direccão de Fauna Bravia. De contrário, ficará a ideia de que o contrabando e o descaminho é que são as práticas normais, e o que sucedeu a 8 de Julho é que é a excepcão.

Os agentes das Alfândegas estavam ali precisamente para assegurar que aqueles contentores não passavam sem o competente despacho ou que os despachos apresentados condiziam com o que estava no interior dos contentores, daí a obrigatoriedade de assistirem ao empacotamento e de selarem os contentores. Mas falharam rotundamente no seu trabalho, pois até foram embarcados nos navios contentores com selo das alfândegas, mas sem o respectivo despacho.

Os funcionários das Florestas e Fauna e Bravia estavam ali para assegurar que a lei era escrupulosamente cumprida e não saía do país madeira de primeira em toros. Também falharam, porque foi encontrada muita madeira de primeira em toros em contentores inteiros ou disfarçada no fundo de contentores que tinham outro tipo de madeiras. Será apenas coincidência o facto de as três equipas terem falhado em simultâneo nos mesmos contentores?

Se é admissível que os agentes da PRM e das Alfândegas não consigam distinguir madeira de primeira em toros da das outras classes, porque não é sua especialidade, já não o é nos casos dos funcionários da Direcção de Florestas e Fauna Bravia. Lidar com madeira é o seu trabalho do dia-a-dia e mesmo assumindo que pudessem ter sido enganados, custa crer que isso sucedesse com todos os que estavam de serviço e logo em 561 contentores, que eles próprios assistiram a empacotar e encarregaram-se de selar. Tinham que estar totalmente distraídos para isso acontecer, o que é duvidoso, atendendo a que a madeira que estava nos 561 contentores valia cerca de 15/16 milhões de dólares, segundo fontes abalizadas na matéria. Pois é, muito dinheiro para tanta distracção como a evidenciada pela equipa multi-sectorial nos dias em que decorreu a operação com todos aqueles contentores.

3. Por fim, o papel do Estado. Custa entender como foi possível este tempo todo o Estado não cobrar nada pela madeira que sai do país. Mesmo após aprovar o decreto 7/2010, a 13 de Agosto do ano passado, que obriga ao pagamento de uma taxa sobre a madeira exportada, o Estado ainda esperou um ano para criar o regulamento para operacionalizar aquele decreto. Dá mesmo a sensação que foi preciso despoletar este caso, em Nacala, para as nossas instituições despertarem para o problema e colocarem a lei em vigor...

Fonte: O País online - 13.08.2011

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