domingo, outubro 31, 2010

Onde anda a Geração da Viragem?

Por Lázaro Mabunda

A última vez que ouvi falar, de forma insistente, da Geração da Viragem, foi durante a Chama de Unidade, nas vésperas do 25 de Junho (...) A chama que é chama apagou-se, as crises que são crises vieram, a Viragem que é uma geração, virou.

O nosso país está a viver crises acima de crises. Primeiro, foi a económica e financeira, segundo, a de cereais, terceiro, a social, e agora a diplomática, com o Malawi. Tantas crises num só ano prenunciam alguma coisa e a necessidade de decisões de vulto com vista à sua solução. O Governo respondeu com subsídios e com austeridades como soluções para as crises que desembocaram em convulsões sociais dos dias 1 e 2 de Setembro passado. Hoje, o Governo é obrigado a tomar medidas extremistas para poder calar as tolices de Bingo Wa Mutharika. Todas essas decisões são tomadas pelo Governo. Com razão, porque o elegemos para decidir pelo nosso bem-estar social, económico e financeiro. É nestes momentos que se vê quem de facto é “geração”, justamente porque as gerações marcam um período, através de decisões arriscadas e, acima de tudo, corajosas, destemidas. A Geração da Viragem fez o inverso. Virou a cara às crises, quando se esperava que viesse dar a cara relativamente às crises que o país atravessa, apresentando projectos que pudessem salvar o país, e consequentemente, a pele do Governo.

A Geração da Viragem apareceu com pompa e circunstância nos momentos (de prosperidade) em que ela não era necessária, e desapareceu nos momentos fundamentais em que devia justificar por que se chama “Viragem” – virando a situação de crises em que vivemos para a prosperidade. Quer dizer, numa altura em que a Geração da Viragem devia redimir-se do facto de ter surgido do nada – nascida sem nunca ter sido concebida – ela desapareceu. Talvez seja por ter desaparecido nos momentos em que era necessária que se torna Geração da Viragem – inverter a lógica das coisas. É, de facto, a 3ª Geração (3G), uma geração de tecnologias do século XXI.

Gerações são gerações porque se arrojaram nos momentos difíceis. Foi assim que a Geração de 25 de Setembro se tornou, na verdade, uma geração, quando decidiu libertar o país da escravidão a que estava sujeito há mais de 400 anos. Esta geração decidiu abandonar os sonhos e o medo, e abraçar as armas. Foi assim, também, que em 1977, quando os portugueses abandonaram o país, um grupo de jovens decidiu, sem olhar para benefícios, abandonar os seus sonhos e pegar no aparelho do Estado. Assim, surgiu a Geração 8 de Março.

Onde anda a Geração da Viragem? A última vez que ouvi falar, de forma insistente, da Geração da Viragem, foi durante a Chama de Unidade, nas vésperas do 25 de Junho. Nessa altura, os jovens, sobretudo os pertencentes ao Conselho Nacional da Juventude e à Organização da Juventude Moçambicana, assobiavam para o ar e gritavam: “somos a Geração da Viragem”. A chama que é chama apagou-se, as crises que são crises vieram, a Viragem que é uma geração, virou.

Durante as tensões sociais de 1 e 2 de Setembro, a Geração da Viragem, mais do que tomar uma decisão para resolver o problema, escondeu-se no meio de multidão que se manifestava. E à imagem das patéticas ficções “Tom e Jerry”, Osvaldo Petersburgo tentou esboçar uma ideia ambiciosa: varrer as ruas repletas de pneus queimados para a imprensa ver e o partido aplaudir. No entanto, hoje, não consegue sequer sair à rua para remover o lixo que torna algumas estradas intransitáveis. E se a Geração da Viragem deixasse os seus gabinetes e sua comodidade para ir produzir alimentos nos campos, trabalhar na educação, na saúde, assistir às populações vítimas de estiagem, de cheias, reconstruir as casas destruídas pelo mau tempo, na segunda-feira, em Namaacha, sem olhar para benefícios?

Hoje, o país enfrenta uma crise diplomática com o Malawi. A Geração da Viragem não consegue emitir sequer uma posição em apoio ao Governo nessas loucuras de um “tolinho” chamado Bingo Wa Mutharika, que confunde a vizinhança de uma federação. Se a Geração da Viragem não o faz – apoiar o Governo – eu o farei, justamente porque acho que não somos nenhum país satélite de Malawi; não somos uma nação para satisfazer os apetites do nosso vizinho. Malawi é Malawi, Moçambique é Moçambique. São países diferentes, soberanos e com prioridades diferentes. Não estou a defender que não se pode navegar sobre o Zambeze, nem estou a dizer que o nosso Governo tem razão ou não, mas sim que Malawi não nos pode forçar a violar as normas para satisfazer os seus interesses, muito menos forçar-nos a fazer o que não queremos no nosso país.

A autorização que o seu alto comissário, Martin Kansichi, apresenta como “countries agreement” não confere ao seu país o direito de navegar as nossas águas quando quiser e como quiser. Acima de tudo, Malawi tem de entender que este projecto interessa mais a eles do que a nós. Não estamos muito interessados em navegar o Zambeze, como o Malawi. Aliás, nem vejo a importância de termos que poluir as águas do Zambeze, fundamentais para as populações que residem nas suas margens, que consomem a sua água sem a tratar. Malawi tem soluções, além do Zambeze. Pode usar os nossos portos da Beira e de Nacala.

Kansichi fala de provocação. Ainda que fosse, não seria tão gritante como violar a fronteira de um país e agredi-lo, como o fez ano passado, em Ngaúma, província de Niassa; não seria tão gritante como navegar as águas de um país sem coordenar com o mesmo. é tão igual como a acusação que o seu ministro dos Transportes nos endereçou, de que o nosso executivo estava a sabotar o seu país ao reabilitar a ponte Samora Machel, o que criava restrições na distribuição de combustíveis.

Fonte: O País online - 29.10.2010

2 comentários:

V. Dias disse...

Desta vez, permito-me dizer, não gostei de Mabunda. Digo, do texto.

Zicomo

Reflectindo disse...

Eu também não concordei com Mabunda a respeito do incidente diplomático entre Mocambique-Malawi. Mabunda diz que com razão ou sem razão ele defende o nosso governo e isso acho mau. Dessa maneira tornamo-nos ultra-nacionalistas e permitimos que os nossos governantes nos criem conflitos desnecessários que nos põem em choques.

Enfim, apenas não concordo com Lázaro Mabunda neste aspecto.