domingo, outubro 25, 2009

HOMENAGEM PÓSTUMA AO ESCRITOR ARRONE FIJAMO


Por Viriato Caetano Dias

“País pequeno não faz ninguém gente grande”, José H. Saraiva, historiador português

E tem toda a razão o professor José Hermano Saraiva, de facto, “país pequeno não faz ninguém gente grande.” Mas o nosso país não tem nada de pequeno, nem na produção da “massa cinzenta” (nossa “bomba atómica” para o progresso científico) nem na dimensão territorial. A nossa pequenez é bem provável que esteja no conformismo crónico e na falta da auto-estima de que tanto suplica o Presidente da República, Armando Guebuza, nas suas alocuções à nação. Aquilo que construímos com arte e mestria é muita das vezes desvalorizado e pouco exportado. O que exportamos - e até fazemo-lo com orgulho - são as nossas desgraças porque, nelas, há quem sempre logra vantagens à custa do sofrimento da maioria. Não é por acaso que a imagem de Moçambique na diáspora é, infelizmente, paupérrima.

Ainda sobre a frase do Professor José H. Saraiva, consultei a um amigo de outras paradas, abalizado na descodificação de rifões - porque deve ser um rifão -, mas não obtive dele senão respostas ambíguas, a que junto aqui a minha. País pequeno significa, no meu franco entender, aquele que trilha e privilegia as teias do imediatismo e da corrupção, em detrimento do valor patrimonial das coisas. Não tenho a menor dúvida de que a cultura, por exemplo, seria a única arma capaz de combater todo o mal que enferma impiedosamente o nosso país. Infelizmente, o imediatismo e a corrupção criam contágios nas pessoas, dai que estes males tenham muitos seguidores e até fazem escolas de luxo!

A frase do Professor Saraiva não vem aqui por acaso. Têm duplo sentido. Para além daquele que latejei acima, o outro seria os 90 anos do Professor feitos no passado dia 3 de Outubro corrente, dos quais cerca de 70 ao serviço da educação, cumprindo assim uma promessa que me fez há mais de 5 anos, quando me garantiu que só “desaguará à cova fria” (que o diabo seja surdo e mudo) de pé, isto é, a dar aulas. Zicomo kwabiri (muito obrigado) Professor Saraiva por tudo!

Depois do “mutxutxu” (aperitivo) merecido, como costuma-se dizer em meandros da juventude, vamos então à principal refeição da presente reflexão, para vos falar do meu desconhecido amigo, o “machuabo” Arrone Fijamo Cafar, minha bússola literária. Já não nascem bons escritores nas nossas maternidade literárias, porque o compromisso entre o escritor e a escrita é o estômago. Nos dias de hoje muitos dos nossos escritores escrevem para aparecer na abertura dos grandes telejornais, nas capas de revistas, no topo dos órgãos do Estado ou do partido e, muita das vezes, com péssimas razões. É assim que querem ganhar prémios, quando à consciência não vale nem 30 vinténs de Judas Iscariotes. Quem tiver dúvidas que veja a campanha eleitoral, quantos deles pululam por ai a troco de uma camisete “made in Moçambique”. Arrone Fijamo é uma excepção.

Poucas leituras deram-me tanto prazer nesta vida maldita (falo como se a minha idade fosse muito longa) são apenas 30 primaveras nem mais nem menos, como ler “Ecos de Inhamitanga” de Arrone Fijamo. Se os chineses descobriram a bússola, aparelho indispensável para a navegação que, mais tarde, promoveu os “descobrimentos” (para mim, nunca houve descobrimento nenhum, mas sim contactos com outros povos. Só se descobre aquilo que não existia, o que não é o caso deste mundo em que tudo é conhecido mas ignorado!), que viria a causar um mal maior a esses povos e, porque não, a grande estupidez do mundo, a colonização; eu, porém, “descobri” “Ecos de Inhamitanga”, cuja história apresenta-nos uma balança do bem e do mal, de um homem chamado Zuze e não Zuzé (é quase certo o lapso na digitação do nome, que não foi prestada a devida atenção dos revisores, porque o mais comum é dizer Zuze) que venceu o “mal triunfante” com a humildade. Deixo para os críticos literários esta honrada tarefa de interpretar à narração. Mais uma vez sigo às pegadas de Pôncio Pilatos, de entregar à fúria dos homens uma missão que eu não sou capaz de fazer nem de convencer. O que eu sei é que “Ecos de Inhamitanga” é, para mim, uma ficção espiritual, que só tem a Bíblia Sagrada como sua concorrente, se bem que “Ecos de Inhamitanga” já em si é uma “bíblia espiritual”, mas sem “os maus costumes” como diria o polémico escritor português, José Saramago! É arrojado este Saramago!

Dirão alguns e com certa legitimidade, claro, que Fijamo é um escritor desconhecido! Pois é, mas eu explico porque, baseando-me em algumas revelações que obtive do saudoso Dr. David Aloni que, segundo ele, não fosse o ex-Serviço Nacional de Segurança Popular (SNASP), actualmente Serviço de Segurança do Estado (SISE), que confiscara - na altura do calor ditatorial do poderoso regime samoriano - todas às obras literárias e não só que não comungassem os mandamentos do Sistema, incluindo às de Fijamo. Quer David Aloni quer Arrone Fijamo, os dois escritores, amigos na terra, creio que no céu também, viram parte das suas obras confiscadas e destruídas, razão pela qual o amigo leitor não poderá, com tanta facilidade e a belo prazer, lê-las a menos que alguém as tenha guardado no seu baú. Algumas delas contém formas químicas para tirar o país das masmorras económica, política e social em que se encontra, foi-se pelos ares! E é preciso fazer de tudo para que não se percam mais nenhum legado, destes e doutros escritores, recusados pelo regime. Ainda que hoje não sejam reconhecidos pelos pela secretaria dos prémios, por motivos vários, o tempo que sabe julgar há-de, com certeza, colocá-los em lugares onde sempre mereceram estar (no topo).

São tão importantes os ensinamentos de Fijamo, tão importantes que ainda hoje prezam a clareza da razão, como diria o Professor Saraiva, os cânones fundamentais do pensamento ordenado e construtivo. Resumi, do seu vasto intelecto mental, cinco frases de “Ecos de Inhamitanga”, e espero que valha a pena delas tirar algumas ilações.

1º O homem nunca é aquilo que parece ou deseja e se julga ser. O homem é aquilo que, infelizmente, ele próprio não saberá, mas que na verdade é. Ensina-nos que a vida de qualquer ser humano está em constante mutação. Aquilo que o homem é, não é senão o somatório dos seus defeitos e virtudes. (A interpretação das frases é relativa e pessoal).

2º A grandeza do verdadeiro amor sentimental duma alma bem formada, revela-se nos momentos em que é preciso pôr-se de parte a totalidade dos interesses pessoais, por vezes até a própria vida, para a salvação de quem se estima e se ama, que esteja desesperado no limiar dum perigo eminente. Ensina-nos a ser mais solidários e, sobretudo, complacentes uns com os outros.

3º São maus os homens! Tanto assim são, que só lhes é permitido viver pouco tempo no Mundo. E mais engraçado é que, eles próprios são preparadores da terrível armadilha que os amarra à coluna da morte: o álcool. Ensina-nos a ser mais prudentes e menos excessivo para tudo o que somos e fazemos.

4º Filhos fazem-se, mas verdadeira mulher para um regedor ou para qualquer homem, não se improvisa. Só Deus é quem dá. Ensina-nos que o homem deve respeitar e valorizar à sua esposa. Uma boa mulher, acrescento, é aquela que se molda de valores religiosos e, não sendo religiosa, deve seguir os trilhos da sinceridade e da fidelidade, sempre!

5º Para os malandros, Deus reserva sempre um dia especial. Ensina-nos que o mal não compensa. Ainda que o mal triunfante ganhe, não é mais forte nem mais saboroso do que um bem derrotado. Ou seja, há sempre um dia em que o mal dorme, a justiça pega.

Levar à letra estes e vários outros ensinamentos do “cota” Fijamo é, na minha modesta opinião, carimbar o passaporte para o outro mundo, um mundo onde os valores humanos estão acima de qualquer interesse. Neste, confesso, está cheio de podridão. Não há nenhum catálogo que evite alguém de sofrer à crucificação, mesmo quando o “cordeiro” é inocente. O Homem deste mundo, meus amigos, não sabe perdoar. Este mundo é, no dizer de Fijamo, um vale de lágrimas onde pululam autênticas abelhas humanas. Aqui me rendo.

Tomem-se esta breve reflexão como uma homenagem e uma manifestação de gratidão a três grandes escritores aqui citados, nomeadamente: Arrone Fijamo Cafar, David Aloni e José Hermano Saraiva. Os que ficaram na “bancada dos suplentes” não se sintam excluídos nem ignorados, o facto de não jogarem, não significa ser maus jogadores, mas porque sempre falta espaço para todos brilharem. É, pois, com o pedido de desculpa que me despeço por hoje.

Zicomo (obrigado)

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