terça-feira, outubro 20, 2009

As fatias do bolo

A talhe de foice

Por Machado da Graça

Nesta fase da campanha eleitoral há um aspecto que me parece bastante interessante: Sempre que um elemento da oposição está a apresentar as suas promessas eleitorais há logo alguém, seja o entrevistador, sejam os comen­tadores, que perguntam onde irá ele buscar dinheiro para cumprir essas promessas, num país pobre como o nosso.
Mas o mais curioso é que, quando se trata de um candidato ou apoiante da Frelimo já ninguém se lembra de fazer a mesma pergunta. Dá a impressão que as pessoas acham que a Frelimo terá dinheiro para todos os seus projectos mas a oposição, caso chegue ao poder, não terá.
Ora, isto é, obviamente, um enorme erro.
Seja qual for o partido que ganhe as eleições presidenciais e, portanto, constitua Governo, terá exactamente o mesmo dinheiro para usar, isto é, os nossos impostos e o apoio da comunidade internacional.
O bolo será o mesmo, seja qual for o vencedor. A diferença estará na forma como ele será cortado e distribuído. Estará no tamanho das fatias que serão dadas a cada uma das áreas.
E é aí que se podem verificar as diferenças. Uns partidos poderão dar fatias maiores à Educação e Saúde e menores às estradas e abastecimento de energia. Outros cortarão maiores fatias para o apoio ao empresariado e menores para a Assistência Social. E por aí adiante.
É ao elaborar o Orçamento Geral do Estado para cada ano que o tamanho das fatias é decidido e, portanto, uma cuidadosa análise do OGE pode-nos dar uma ideia sobre quais são as prioridades do executivo, quem ele quer beneficiar e quem prefere deixar com quantias marginais. Quais os objectivos que merecem mais consideração (e dinheiro) e quais os que merecem menos (consideração e, logo, dinheiro).
E vem a propósito referir uma informação que o Ministro da Ciência e Tecnologia deu há dias, em Genebra, na Suíça, de acordo com o boletim Moçambique Hoje.
Disse aquele dirigente que o nosso país está a trabalhar para criar a sua própria Agência Espacial. Ora, pese embora a estima pessoal que tenho pelo Ministro Venâncio Massingue, não posso deixar de pensar que esse projecto é uma extravagância absolutamente inconcebível no nosso país.
Ir ao bolo do OGE cortar uma fatia para uma Agência Espacial é uma coisa que não consigo aceitar. Não há nada que essa Agência nos possa dar que não possamos conseguir, gratuitamente ou quase, dos nossos parceiros mais desenvol­vidos.
Isto para não falar de estádios nacionais e outras despesas desnecessárias e de ostentação que seria fastidioso estar aqui a enumerar.
Portanto, fazer política é, em grande parte, fazer a definição dos critérios na divisão do bolo do OGE. Sabendo sempre que, se queremos que a manta tape os pés, muito provavelmente ela vai destapar a cabeça, ou vice-versa.
E essa será a principal tarefa do Governo que será formado pelo Presidente da República que for eleito no próximo dia 28.
Tendo já a garantia, dada pelo general Chipande, de que o novo Governo será da Frelimo.
Na verdade, de acordo com o boletim Moçambique Hoje, Chipande terá declarado em Sofala:
Daqui não saímos, daqui ninguém nos tira! Nem com as eleições nem com a dita democracia, ninguém nos tira!
Ora, quem fala assim não é gago. Nem tem papas na língua.
É a mesma franqueza com que nos brindou a respeito da ligação entre a luta armada no passado e a riqueza no presente.
É o que vale haver gente que não anda aqui para enganar ninguém.
O bom do general só não nos revelou de que forma pensa manter o poder no caso de, de facto, as eleições e a democracia ditarem a vitória de um dos outros dois candidatos.
Será que o leitor quer fazer um prognóstico?

PS – Recebi do Sr. João Carlos Cruz uma carta em que critica as posições que tenho tomado nas minhas crónicas mais recentes.
Carta correcta e bem documentada (nomeadamente sobre a situação na Beira) que muito lhe agradeço.
Na verdade eu baseio-me, para as minhas crónicas, na informação que recebo de uma grande variedade de fontes, umas mais credíveis e outras menos, de acordo com critérios que fui definindo ao longo dos anos.
Apesar disso, admito perfeitamente que possa fazer juízos de valor errados e até mesmo injustos. Mais uma vez muito obrigado.


SAVANA – 16.10.2009, in Moçambique para todos

3 comentários:

Viriato Dias disse...

É deste tipo de juízo que eu gosto nos nossos académicos. Repare no PS do Machado da Graça, são palavras de humildade. Bem haja. Os artigos de Machado da Graça merecem uma atenção especial, eles não valem apenas para o momento eleitoral, mas como documento para a vida inteira.

Um abraço

Anónimo disse...

Machada da Graça não académico. É verdade que ele é um veterano jornalista de referência.

Nem todas as pessoas que escrevem em bom português são académicos. Na verdade, Acdadémico é um indivíduo que se dedica, de corpo e alma, à vida académica. No mínimo, um Académico deve fazer investigação, deve escrever ensaios e outras obras científicas, deve publicar em revistas de especialidade, deve se beneficiar de uma revisão de pares;

Um docente universitário que dá aulas nas aulas vagas, que dita apontamentos com base em downloadings da internet descontextualizados; que nunca publicou nada, nem sequer num jornal de terceira, não pode ser considerado académico.

No nosso país há um uso empolado deste termo. É preciso começar a estabelecer limites.

Viriato Tembe

Reflectindo disse...

Caro

Para aquele que eu não publiquei o seu comentário, tenho a dizer que o tema é muito claro e, isso é também o conteúdo do artigo. O tema aqui não é sobre Machado da Graça pelo que considero de um ataque subtil quando tentas falar sobre o autor do artigo. Também considero uma tentativa de desviar o assunto para o que não tem interesse.

Um abraço