domingo, abril 26, 2009

Custódio Duma: Advogados moçambicanos têm baixa compreensão de direitos humanos

O bantulândia continua em busca de iguarias de direitos humanos. Mais uma vez, convida o estimado leitor para se deliciar em sua mesa. Por isso, na entrevista que se segue compreende-se que ser advogado não é sinónimo de saber temas sobre direitos humanos. Com efeito, o blog traz, hoje e agora, o já conhecido advogado em direitos humanos, o moçambicano Custódio Duma*, o qual usando do seu direito à fala denuncia: “Alguns advogados continuam a pensar que direitos humanos só servem para defender bandidos ou beneficiar a oposição política do país”. Em sua experiência advogatícia afirma não conhecer caso algum em que um cidadão moçambicano tenha colocado o Estado à barra do tribunal, exigindo o direito à alimentação, saúde, educação, infantário, habitação ou outros direitos similares. Siga a entrevista conduzida por Josué Bila

Bantulândia - Qual tem sido o papel do advogado moçambicano na defesa dos direitos humanos?

Duma - Olha, existe, em Moçambique, cerca de 600 advogados. Mais de metade desses advogados moram na cidade capital do país, Maputo. Há províncias com um só advogado, como é o caso de Tete, Niassa, entre outras. Mesmo assim, cerca de metade desses advogados não exerce a profissão. Dos advogados que exercem a profissão, são pouquíssimos que entendem de direitos humanos, sendo que quando me perguntas qual é o papel dos advogados moçambicanos na defesa de direitos humanos, na prática, digo nenhum. Porém, reconheço o papel dos advogados ligados às organizações de direitos humanos e alguns poucos ligados à Comissão dos Direitos Humanos na Ordem dos Advogados. O papel desses poucos tem sido de garantir o acesso à justiça ao cidadão, uma justiça efectiva e de qualidade.

Bantulândia – Diz que são pouquíssimos os advogados moçambicanos que entendem de direitos humanos. Então, desses pouquíssimos, qual é o nível de conhecimento de direitos humanos?

Duma - É muito baixo; no geral, é muito baixo, embora um e outro, principalmente os que estão ligados às organizações da sociedade civil, tenham lucidez em relação a matéria. Na verdade, o conceito de direitos humanos, em Moçambique, ainda está em construção e, em alguns casos, são os próprios advogados que o torcem ou o desvirtuam.
Alguns advogados continuam a pensar que direitos humanos só servem para defender bandidos ou beneficiar a oposição política do país. É triste saber que advogados há que pensam desta maneira.

Bantulândia - Por que advogados moçambicanos pensam que direitos humanos só servem para defender bandidos e oposição política?

Duma - Olha, na verdade essa percepção não é só de alguns advogados; é de uma boa parte da sociedade. Isso acontece porque ainda não perceberam o verdadeiro conceito de direitos humanos, que é o básico; só depois disso é que é possivel perceber que os acusados de terem cometido crimes também têm direito à assistência jurídica.

Bantulândia - É comum que advogados moçambicanos utilizem instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados por Moçambique?
Duma - Não é comum.

Bantulândia - Por que não é comum?

Duma – Não sei bem o porquê de não ser comum que advogados moçambicanos se utilizem de instrumentos internacionais de direitos humanos. Contudo, acho que é por não os conhecerem bem ou porque eventualmente os juizes simplesmente podem ignorar os argumentos construidos pelos advogados, inspirados nos tais instrumentos.

Bantulândia - Conhece algum caso em que um cidadão moçambicano, sem recursos financeiros, colocou o Estado à barra do Tribunal, exigindo direito à alimentação, saúde, educação, infantário, habitação ou outros direitos similares?

Duma - Não conheço caso parecido. Mas, conheço casos de cidadãos que exigem compensações por maus tratos de agentes públicos e detenções ilegais.
Penso que os cidadãos não intentam acções contra o Estado exigindo alimentos, habitação, saúde ou outros direitos, porque não sabem que isso é possível. É pura ignorância. Em segundo lugar, porque a justiça moçambicana custa muito caro ao cidadão.

Bantulândia - Como os casos de maus-tratos chegaram ao Tribunal?
Duma - Os casos que conheço chegaram ao Tribunal, através das ONGs de direitos humanos, concretamente a Liga Moçabicana dos Direitos Humanos. Pessoalmente, conheço 7 casos, dos quais três tiveram desfecho favorável aos cidadãos reclamantes.

Bantulândia - Qual é o nível de eficiência da Ordem dos Advogados de Moçambique ou Fundo de Patrocínio e Assistencia Jurídica, para que os cidadãos se utilizem deles?

Duma – Honestamente falando, eu penso que o nível de eficiência da Ordem e do IPAG ainda é baixa. A Ordem só agora é que está a desenhar o seu plano estratégico e esperamos que a resposta a essa matéria seja positiva. Já o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ) ainda não conseguiu mostrar a razão de sua existência. Exemplo: semana passada, em Pemba (Cabo Delgado), os reclusos responderam ao digno dirigente do IPAJ, Pedro Nhatitima, que não conheciam aquele órgão do Estado. Isto aconteceu numa visita que ele realizou aquando da reunião nacional do IPAJ. Esse posicionamento dos reclusos é repetido por quase todo o país.

Bantulândia - O professor brasileiro Fábio Comparato diz que o judiciário viola os direitos humanos, quando, por meio da norma legal, manda aprisionar cidadãos em cadeias com condições indecentes. Como advogado, qual é o seu posicionamento?

Duma - Primeiro, concordo plenamente com a colocação do professor Comparato. Segundo, o Direito não deve ser usado para retirar a dignidade do ser humano. Sempre que isso estiver para acontecer é melhor não aplicar esse Direito. Afinal de contas, o Direito é um meio à Justiça e não um fim em si. O fim do Direito deve ser sempre a Justiça. Portanto, aprisionar cidadãos em cadeias degradadas, sem condições higiénicas e de sociabilidade carcerária de qualidade é, sim, violar direitos humanos.

Bantulândia - O que deve ser feito para se melhorar os direitos dos reclusos?

Duma - Em primeiro lugar, é preciso aperfeiçoar a política pública concernente e começar a pensar-se em penas alternativas. Em segundo lugar, é preciso melhorar, através de investimentos, as infra-estruturas prisionais que são uma herança colonial, sem esquecer de melhorar as condições dos agentes carcerários.
Mas, também é preciso lembrar aos juizes que nem sempre é necessário encarcerar o cidadão. Se fores a reparar, as prisões em Moçambique estão repletas de cidadãos a cumprir penas de 1 a 3 meses, prisões essas que poderiam ser convertidas em multa.

Bantulândia - Conhece algum caso em que um determinado juiz, em nome de regras mínimas de tratamento de reclusos, internacionalmente reconhecidas, tenha mandado um cidadão cumprir a pena em casa, por as cadeias locais não terem condições mínimas de reclusão?

Duma - Salvo minha ignorância, nunca ouvi falar em caso idêntico. Entretanto, conheço vários casos de penas máximas aplicadas desnecessariamente.

Bantulândia - Qual é a expectativa que tem da recém-criada Comissão Nacional de Direitos Humanos?
Duma - A Comissão ainda não foi criada. Somente a Assembleia da República aprovou a Lei que a cria, mas o Conselho Constitucional a chumbou por a considerar inconstitucional. Ora, a sociedade civil moçambicana, em tempo oportuno, já tinha chamado à atenção sobre os aspectos detectados como inconstitucionais pelo Conselho Constitucional. Infelizmente, o Governo e a Assembleia da Républica preferiram ser arrogantes e unilateriais a contribuir para instituições mais democráticas, mais livres e mais justas, objectivando a continuação da construção do Estado de Direito Democrático em Moçambique.

Bantulândia - Fala, em linhas gerais, do papel da Liga dos Direitos Humanos na defesa de direitos humanos.
Duma – olha, em termos gerais posso afirmar categoricamente que se a Liga dos Direitos Humanos não existisse não poderiamos falar de acesso à justiça para populações pobres. A LDH, com fundos dos seus parceiros, está a realizar o trabalho que deveria ser feito pelo Estado através do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica ou outros. Falar do papel da LDH na defesa de direitos humanos deve nos lembrar que esta foi uma das primeiras, senão a primeira a abordar abertamente sobre esses conteúdos no país, tanto que muito conhecimento sobre a matéria no país tem sido produzido a partir da LDH.

*Custódio Duma é advogado e defensor de direitos humanos, trabalhando na Liga Moçambicana de Direitos Humanos. Ex-intercambista em Direitos humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Conectas Direitos Humanos (São Paulo), em 2005, com financiamento da Open Iniciative Southern Africa.

6 comentários:

norub disse...

é positivo o vosso trabalho irmaos compatriotas, com tal informacao se pode garantir a melhora da vida social dos mocambicanos, nao será fácil pelo mero facto de que somos poucos que tems conhecimentos suficientes ou mesmo condicicoes para apropiar-se de tal informacao sobre os nossos direitos (falta de accesso aos servicios de informacao) mais por algum lugar em que comecar...viva!!!!

Anónimo disse...

Nao compreendo muito bem porque os advogados mocambicanos terao uma baixa compreensao dos direitos humanos. Gostaria que alguem me clarificasse. Sera por conveniencia, por desinteresse ou por simplesmente se acomodarem na sua zona de conforto? Essas materias nao fazem parte do curriculo do curso de Direito? Estou baralhada!!! Maria Helena

Anónimo disse...

Alguns advogados continuam a pensar que direitos humanos só servem para defender bandidos ou beneficiar a oposição política do país, disse Duma. Acho que este pensamento esta relacionada com a auto-compreensão da elite moçambicana (incluindo aquela de alguns advogados da praça) e do Estado. O problema do acesso à assistência jurídica pelas vítimas de Angoche, Montepuez e Mongicual é só um sintoma para este desrespeito e desprezo do simples cidadão (os pobres não oferecem boas perspectivas pelo honorário). O verdadeiro culpado é o Estado, que não garante a igualdade no acesso à Justiça para os ricos e pobres. Como se sabe, a igualdade do cidadão perante os tribunais é um princípio fundamental do Estado de Direito. Não pode haver verdadeira Justiça em um sistema que favorece os ricos e marginaliza os pobres. A obrigação constitucional do Estado é disponibilizar os respectivos meios financeiros para todos aqueles cidadãos que não podem pagar seu advogado, possivelmente na base de remunerados por horas de trabalho e tabelas pré-fixadas para cada tipo de caso.

Tirar o Estado à barra do Tribunal para exigir compensações e pensões por assassinatos e maus-tratos de agentes públicos é a tarefa democrática de todos advogados, independente das perspectiva de honorários baseados nas horas de trabalho ou no valor das compensações pelos clientes. Os advogados estão no dever, porque um órgão do Estado, como o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), da sua natureza não pode aconselhar as vítimas de agentes públicos imparcialmente. O que se precisa agora é o suporte das respectivas famílias de um organismo independente da sociedade civil, como a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, com financiamento não apenas proveniente dos cofres do Estado. As vítimas de Mongicual e as suas famílias precisam também da solidariedade dos doadores porque um advogado é uma necessidade e não um luxo. Mongicual é um caso exemplar pelo combate à pobreza e igualmente um teste para a vontade dos doadores. As violações sistemáticas dos Direitos Humanos nas prisões de Moçambique devem ter consequências!

Um abraço
Oxalá

Reflectindo disse...

Se os advogados aparecessem por aqui e comentarem lhes compreenderiamos. Sei que há alguns que negam que tenham uma baixa compreensão de direitos humanos, mas esquivam o debate sobre casos como os que se deram em Mogincual e Angoche.

Filipe Marcos Filipe disse...

Procuro de un advogado que tenha residencia no maputo, poder proceguir com o meu caso em mocambique. neste momento me encontro na Africa do Sul a trabalhar. O meu caso e relacionado com demissao no aparelho do estado Mocambicano.

Filipe Marcos Filipe disse...

Procuro de un advogado que tenha residencia no maputo, poder proceguir com o meu caso em mocambique. neste momento me encontro na Africa do Sul a trabalhar. O meu caso e relacionado com demissao no aparelho do estado Mocambicano.