quinta-feira, março 12, 2009

Os ventos sopram do Chiveve!

Crónica de um observador desatento!

A Opinião Manuel de Araújo(*)

Dedico este artigo ao jovem Geraldo Carvalho, pela coragem e tenacidade!

Maputo (Canal de Moçambique) - As semelhanças entre os métodos de trabalho da Frelimo e da Renamo começam a vir ao de cima!

Escrevemos neste espaço em Outubro de 2008, (Frelimo na Beira é igual à Renamo no Maputo?), quando verificamos “empiricamente” aquilo que há já algum tempo suspeitávamos! A dificuldade de partidos militarizados em obedecer aos ditames da democracia! É que em democracia, o poder emana do povo, é exercido pelo povo, e tem como destinatário o próprio povo! Ou seja a máquina funciona “de baixo para cima”!
Por outro lado, nas ditaduras, as ordens e por consequência o poder emana de cima ou seja do líder ou grupo do líder! Ora aqui temos uma dificuldade primária em reconciliar os dois modelos! E para agravar o cenário, existe uma semelhança milimétrica entre a lógica ditatorial (O chefe tem o monopólio do pensamento e da verosimilitude e os outros cumprem) e a lógica militar (primeiro cumprir e depois reclamar), fazendo estas duas lógicas aliadas naturais!

Assim, dizíamos nos, a semelhança entre a Frelimo e Renamo reside no facto de tanto uma (Frelimo) como a outra (Renamo) terem um passado semelhante (passagem de movimentos militares a partidos políticos) com a diferença de um se ter transformado enquanto controlava e mantinha as rédeas do poder, enquanto que o outro fê-lo fora do poder! O facto de ambos terem sido originados de movimentos militares parece predispô-los a aliaram-se a estratégias e lógicas de gestão de poder de cariz militar-dictatorial!

As últimas eleições municipais (19 de Novembro de 2009) parecem dar-nos algumas pistas para começarmos a entender como funcionam os partidos-militarizados, ou movimentos militares/partidarizados! A Beira e Maputo parecem poderem ser usados como laboratórios interessantes para os nossos sociólogos, politologos e cientistas sociais!

A nosso ver o “caldo” entornou-se quando Armando Emilio Guebuza, apercebeu-se de dois aspectos fundamentais. Primeiro, que o seu manifesto eleitoral tinha subido demasiadamente a fasquia; e segundo, que a “resistência” dos burocratas e funcionários públicos era quase que invencível. A junção dos dois fenómenos, poderia transformar o seu primeiro mandato num “fiasco governativo”!

O primeiro “Conselho de Ministros Alargado” realizado em Maputo, parece ter sido, sem muita margem de dúvidas, o ponto mais alto do reconhecimento desta realidade! Um reconhecimento do falhanço da estratégia de governação Guebuziana!

Para colmatar estas lacunas, Guebuza decidiu deixar de ser “treinador” e passar a ser “treinador-jogador” com todas as consequências dai advientes! (A ultima vez que ouvi falar de um treinador-jogador, se a memoria não me falha, foi nos anos 80, no Cessel do Luabo!)

Dizia eu que Guebuza, começou então a perceber que a luta contra o burocratismo, espírito de deixa-andar e contra a corrupção, (três vectores-chave do seu manifesto eleitoral e da sua governação) não seriam vencidos nem em duas cajadadas, nem nos dois mandatos a que tem direito constitucionalmente! Dai a necessidade de uma saída airosa para as ambições do “chefe”! Pensamos nós, que a partir dai Guebuza começa a procurar um substituto-sombra, para a era pos-Guebuza, do mesmo modo que Chissano procurou ensaiar Muteia para a era pós-Chissano!

Só que nessas contas parecia ter surgido um empecilho: Eneas Comiche! Comiche é um quadro com longa experiência quer na gestão administrativa quer na máquina partidária da Frelimo! Educado em Portugal, Comiche é membro da Comissão Politica da Frelimo! Economista de profissão, Comiche foi Governador do Banco de Moçambique, vice e depois Ministro das Finanças, Ministro na Presidência para Assuntos Económicos e mais tarde Mayor da Cidade capital, Maputo, onde começará a “operar milagres”, graças aos dinheiros disponibilizados pelo Banco Mundial para o Programa “Pro-Maputo”! A imagem de Comiche crescia a olhos vistos não só para os munícipes, mas também para os moçambicanos em geral e não só! E isso preocupava aos habitantes do “tecto da casa”!

E mais Comiche é considerado “Chissanista”, ou seja era o ultimo reduto de poder efectivo da ala chissanista dentro da Frelimo-A cidade de Maputo, onde abertamente desafiou Guebuza aquando da nomeação da governadora da Cidade, Rosa da Silva, dizendo que essa “governação só atrapalhava”! Os outros chissanistas, foram cumulativa e compulsivamente afastados (Simão, Songane, Salomão, Muteia) ou então reconverteram-se aos ditames do novo timoneiro (Pacheco, Chomera, Zacarias, Mualeia, Razac))!

A nosso ver, nas contas de Guebuza, se Comiche fosse eleito para um segundo mandato, ofuscaria a imagem do Chefe do Estado, e iria a tempo de ser o candidato natural da Frelimo, para a era pos-Guebuza, complicando assim a sucessão programada! E mais, em muitas democracias, o Mayor da Capital do Pais, é normalmente o mais visível, e tem tido ambições presidenciais! Lisboa e Portugal são um caso a ter em conta!

Para Guebuza, das duas uma, ou Comiche se reconvertia à música Guebuziana ou então teria que ser afastado nem que fosse “a ferro e fogo”! Não se tendo reconvertido Comiche foi efectivamente afastado e no seu lugar colocada uma estrela sem brilho próprio, ou melhor uma lua de nome David Simango!

Por outro lado, nas lides da oposição, Dhlakama que há anos não via com bons olhos a ascensão do “Obama do Chiveve”, tendo mesmo em público dito que (em)gerir um partido era mais complexo do que gerir uma cidade. A implicação desta afirmação era que Daviz não deveria sonhar mais alto que a sua pacata cidade!

Feliz ou infelizmente, esse “aviso à navegação” só fortaleceu a imagem do “jovem do Chiveve”, pois ficou claro, para quem quis ouvir e ou ver, que “Dhlakama tinha medo do Daviz”! E como se sabe, não há pior erro em politica, que mostrar que se tem medo do adversário!

Dizia eu, que Dhlakama ao assistir da “bancada” à forma eximia como Guebuza se livrou da sua “pedra no sapato”, (Comiche), pensou que poderia fazer o mesmo! Não se fez rogado e numa sentada, deu o dito pelo não dito, não fosse ele o “Pai da Democracia”! Na sua luta pela sobrevivência, Dhlakama pensou com o coração e com os instintos militares e não com a cabeça! Atropelou tudo e todos no processo, desde as suas próprias palavras e garantias, aos órgãos do partido, passando pelos próprios estatutos do partido!. Afinal de contas, para a sua sobrevivência, valia tudo, a Renamo era ele, ou ao jeito de Luis XIV, “Le etat ce moi”! E feliz ou infelizmente para Dhlakama a “bala”, ou melhor a “cábula saiu-lhe pela culatra”! Dhlakama esqueceu-se ou nunca soube que a sociedade de que os partidos fazem parte, fazia parte das ciências sociais e não das exactas, onde uma experiência, salvaguardadas as condições em que ocorreu, devera em principio dar os mesmos resultados!(Hidrogenio)H2 + (Oxigénio)02, ceteris paribus, em principio dará sempre H20 (Agua). Feliz ou infelizmente, para o país, Comiche não era Daviz, Beira não era Maputo, e Renamo não era Frelimo!

E parece que foi aqui onde a historia registara para a posteridade a descida ao abismo e a decadência, se não o fim, de um dos lideres mais carismáticos da politica recente de Moçambique (tirando Samora Machel) e a emergência de uma nova força social, liderada pelo jovem Daviz Simango, primeiro como candidato independente e mais tarde como líder do Movimento para a Democracia em Moçambique (MDM)!!

Mas para que não pareça uma história com fim feliz, Dhlakama não se fez rogado. Apercebendo-se de ter metido “o pé na poça”, e com medo de ser vaiado no seu próprio reduto, a Beira, Dhlakama decidiu não fazer campanha eleitoral em nenhum dos 45 municípios, o que lhe valeu uma derrota estrondosa!

Duplamente derrotado (por Davis e pela Frelimo)e humilhado na sua própria casa (por Davis e pelos Beirenses), Dhlakama ao invés de fazer as pazes em casa, como bom guerrilheiro que é, preferiu morrer lutando (Savimbando-se), tendo tentado salvar a honra no ultimo reduto que lhe restava, Nacala! Era tarde demais! O comboio apitara três vezes e as portas do comboio da historia estavam (definitiva e hermeticamente?) encerradas!

Entretanto apercebendo-se que uma parte considerável dos membros e simpatizantes da Renamo acenavam já quase que publicamente ao Jovem do Chiveve, Dhlakama já fora do campo, tenta a sua ultima (?) cartada- Exonera dois quadros do Governo Sombra/Assessores (perfazendo cinco, três dos quais haviam já posto os lugares a disposição), alegadamente por “falta de confiança política”, bem como os delegados políticos da Cidade de Maputo e da província de Cabo Delgado! A resposta não se faz esperar mais de 50 membros da “Perdiz” em Cabo Delgado entregam os cartões do partido e como se não bastasse, o substituto do antigo delegado recusa assumir a pasta! Acto continuo e já desesperado, Dhlakama exonera todo o Secretariado Provincial da Renamo de Cabo Delgado e “muda-se” para Nampula!!

É no último trecho que encontramos beleza da tragicómica novela!
Do lado da Frelimo, a derrota no chiveve torna-se a cada dia que passa mais indigesta! Inconformada com a sua derrota na Beira, a Comissão Politica da Frelimo decidi “cabular” a formula de Dhlakama, exonerando Lourenço Bulha, o candidato derrotado, bem os secretariados da cidade e da província de Sofala na mesma semana em que se cria o MDM! Que prenda maior a Daviz Simango!

A pergunta que se pode colocar em jeito de brincadeira (e claro) e “E se Bulha se entregar ao MDM?”
E mais não disse!

(Manuel de Araújo – (*) deputado da Assembleia da República pela bancada da Renamo)

Retirado na sua íntegra daqui.

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